Tutorial do esquecimento

Fez-se preciso, imperativo, trocar a marca do xampu, hidratante, creme dental, sabão em pó, para que nenhum aroma reconhecível sugerisse ao olfato desavisado a sua presença.

Durante todo um final de semana desenhei nova disposição para os móveis da casa, desmanchando com piaçava o aconchego tecido pelas aranhas, sacudindo dos lençóis as invisíveis células mortas que um dia haviam sido suas. Joguei fora todos os copos em cuja borda havia o perigo de persistir o seu gosto resistente ao sabão, resistente mesmo à posterior impressão de outros lábios sobre o rastro dos seus. Estava decidida a evitar a indigestão causada pelas lembranças requentadas.

Novas cortinas, nova fotografia no porta-retratos da escrivaninha, a familiaridade temporariamente banida até que o novo virasse hábito, até que parecesse estranho imaginar você nesta cadeira, um personagem descolado do cenário, um invasor.

E só às vezes, quando eu me distraio, é que me pego perguntando por que florescem estas rosas que nunca te viram.

~ por Thaís Emília em 18/03/2010.

5 Respostas to “Tutorial do esquecimento”

  1. Que lindo!

  2. “E só às vezes, quando eu me distraio, é que me pego perguntando por que florescem estas rosas que nunca te viram.”
    Essa frase…cacete hein…

  3. uuuufff…..

  4. Thais e sua habilidade com as palavras!

  5. Muito bonito…

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